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HeLa, as células imortais

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Células imortais, será possível? Confesso que a primeira vez que ouvi esse termo, assim como você que talvez esteja vendo essa história pela primeira vez, isso causou certa estranheza.

O fato é que realmente essas células existem, estão presentes no mundo há 70 anos e, questões éticas à parte, já contribuíram enormemente para inúmeros avanços científicos ocorridos na segunda metade do século XX, até os dias atuais.

Para entender melhor como isso ocorreu e como é possível, são necessárias algumas informações prévias sobre outros temas para facilitar o entendimento deste assunto.


Cultura celular In Vitro


Foto de ThisIsEngineering no Pexels

O princípio básico da técnica de cultura foi estabelecido já no final do século XIX por Wilhelm Roux (1885), um embriologista alemão que conservou uma porção de medula de embrião de galinha numa solução salina aquecida por vários dias.

Anos mais tarde, Ross G. Harrison (1907), demonstrou o desenvolvimento das fibras nervosas de rã cultivadas em um coágulo de sangue (“the hanging drop – cultura de gota suspensa”). A partir destes trabalhos, muitos outros começaram a se desenvolver, como a primeira descrição de uma cultura celular em três dimensões ou 3D (1912), pelo cirurgião e biólogo Alexis Carrel (Prêmio Nobel de Fisiologia em1912).

Durante a primeira metade do século XX, acreditava-se que as células em cultura poderiam ser cultivadas infinitamente, desde que fossem fornecidos todos os substratos necessários. Entretanto, após certo tempo de cultivo, as culturas celulares morriam, independentemente da constituição do meio de cultura e os cientistas não entendiam por que isso acontecia.


Telômeros

Os telômeros foram descobertos no início do século XX porém, foi na década de 30 que estas estruturas foram descritas pela primeira vez. Hoje sabe-se que são estruturas presentes nas células eucarióticas, constituídas por segmentos repetidos de DNA não codificante e proteínas e, que têm como principal função manter a estabilidade do cromossomo.

No entanto, os telômeros também sinalizam para a célula, o momento em que esta deve parar de se dividir e entrar em um processo celular conhecido como senescência ou envelhecimento celular.

Imagem / Reprodução: http://stopcancerportugal.com/2019/10/02/a-ciencia-das-celulas-que-nunca-envelhecem-o-efeito-dos-telomeros/

Quando se dá a divisão de uma célula, os telômeros vão sendo ligeiramente encurtados e, quando estes atingem o seu estado crítico, a célula perde a sua capacidade de replicação, entrando em processo de senescência. Esse fenômeno foi observado na década de 60 por Leonard Hayflick que fez a primeira observação de morte celular sem replicação. O processo ficou conhecido pelo nome de Limite de Hayflick e, ocorre em média, a cada 50 divisões celulares.


Como Henrietta Lacks mudou o rumo da história científica

Henrietta Lacks era uma mulher negra, descendente de escravos, nascida em 1920 que vivia na zona rural das plantações de tabaco da Virgínia. Já casada, aos 21 anos, ela e a família mudaram-se para Baltimore em busca de melhores condições de vida.

Em 1951, Henrietta deu à luz seu quinto filho e logo depois começou a sofrer com dores abdominais e sangramentos. Procurou tratamento no Hospital Johns Hopkins, um dos poucos a atender negros pobres em plena época de segregação racial nos Estados Unidos, onde foi diagnosticada com um câncer no colo do útero muito agressivo, que tinha comprometido outros órgãos. Amostras de células foram retiradas pela primeira vez durante o tratamento e também após sua morte.

Henrietta Lacks faleceu em outubro de 1951. O que mais impressiona nessa história é o fato de que, não foi a vida de Henrietta que foi significativa para a ciência, mas sim, sua morte.

No mesmo hospital, funcionava o laboratório de George Otto Gey, um médico fisiologista. Gey pesquisava por células que sobrevivessem fora do corpo humano e pudessem ser cultivadas em laboratório.

As amostras de células de Henrietta foram entregues a Gey que ao conduzir alguns testes verificou que aquelas células eram únicas, pois reproduziam-se facilmente e mantinham-se vivas, diferentemente das células com as quais ele vinha trabalhando, que duravam apenas alguns dias. Essas células eram capazes de dobrar de quantidade em cerca de apenas 24h.

Essas células foram batizadas como Células HeLa, as iniciais do nome da mulher que lhes deu origem. A notícia de que foram encontradas células com facilidade para crescer em placas de cultura celular espalhou-se e em pouco tempo as células foram distribuídas em larga escala pelo mundo inteiro e encontraram aplicações práticas nos mais diversos campos da ciência como fabricação de vacinas, pesquisas sobre o câncer, indústria cosmética e foram até, enviadas ao espaço.

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Porque as células HeLa são consideradas imortais

Células normais sofrem os efeitos do envelhecimento ao longo do tempo, em um processo conhecido como senescência celular. A capacidade das células normais de fazer novas células é controlada rigorosamente por diversos mecanismos biológicos e também pelo tamanho dos telômeros dos cromossomos. Isso significa que, eventualmente, com o encurtamento dos telômeros, as células tornam-se incapazes de se replicar e morrem.

Já as células cancerígenas, por outro lado, têm mutações que permitem o crescimento descontrolado, não respondendo aos mecanismos naturais de controle e podem se replicar continuamente e indefinidamente. É isso que acontece com as células HeLa por isso, essas células são chamadas de “imortais“.

O segredo da imortalidade das células de Henrietta permaneceu desconhecido até o final da década de 1990.

→ Quando foi constatado que no caso das células HeLa, elas sofreram uma mutação que produz uma enzima chamada telomerase, capaz de regenerar os telômeros dos cromossomos impedindo que elas entrem em processo de senescência e morram. Dessa forma, depois de 70 anos, as células HeLa continuam a se replicar, e existem bilhões dessas células espalhadas por laboratórios do mundo todo.


A contribuição das células HeLa para o progresso científico

A primeira contribuição dessa células surgiu logo em 1952, quando Jonas Salk, um virologista da Fundação Nacional para a Paralisia Infantil dos Estados Unidos, criou uma vacina com o vírus inativado. O grande problema era descobrir como isso seria testado. Ele precisaria de muitas células para realizar os testes antes que a vacina pudesse chegar aos humanos.

Foi assim que a linhagem de células HeLa, recentemente descoberta, ajudou a disponibilizar a vacina contra a poliomielite. Além do seu rápido crescimento, as células eram muito mais suscetíveis ao vírus do que qualquer outra célula já usada. Essa foi a primeira de suas muitas e bem-sucedidas aplicações.

Células HeLa já foram empregadas em pesquisas sobre a ação de vírus sobre as células,

  • desenvolvimento de práticas laboratoriais de congelamento,
  • cultura de células e tecidos,
  • clonagem de células,
  • fertilização in vitro e o isolamento de células-tronco,
  • pesquisas sobre a AIDS, câncer, efeitos da radiação e de substâncias tóxicas.

Também foram submetidas a testes com medicamentos para diversas doenças, foram infectadas com muitos patógenos, de tuberculose à salmonela e, ajudaram os cientistas a entender e diagnosticar os distúrbios genéticos ao esclarecer que uma célula humana normal tem 46 cromossomos (células HeLa possuem 82 cromossomos).

Recentemente, dois prêmios Nobel foram concedidos por descobertas onde as células HeLa desempenharam um papel central. A ligação entre o papilomavírus humano e o câncer cervical (2008, Harald zur Hausen) e o papel da telomerase no envelhecimento celular (2009, Elizabeth Blackburn, Carol Greider e Jack Szostak).


Para complementar o conteúdo:

➡  Se quiser saber mais sobre a história de Henrietta Lacks, foi publicado em 2011 o livro “A vida imortal de Henrietta Lacks”, pela escritora Rebecca Skloot, em que são abordadas questões acerca da vida de Henrietta, surgimento das células HeLa, questões éticas e raciais envolvidas no processo.

➡  Também foi gravado um filme homônimo, em 2017, sobre essa história.

➡  Os vídeos a seguir ilustram, de forma resumida, a história por trás do surgimento da células HeLa. O primeiro vídeo é em português e o segundo em inglês, com legendas também em inglês, que podem ser ativadas nas configurações do vídeo.


Este post foi inspirado pela Doutora Milena Cristina Magalhães, pesquisadora da Fundação Ezequiel Dias – FUNED, MG. Iniciei recentemente um mestrado pela FUNED e, na primeira aula com a Doutora Milena, ela citou as células HeLa. Interessei pelo assunto, fiz algumas pesquisas e  fiz o post para vocês, espero que gostem!


Referências:

  • INTERESSANTE, Super. HeLas: as células que dominaram o mundo Leia mais em: https://super.abril.com.br/ciencia/helas-as-celulas-que-dominaram-o-mundo/. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/helas-as-celulas-que-dominaram-o-mundo/. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • KASVI. HeLa: conheça a história das células imortais e o seu legado para a ciência. Disponível em: https://kasvi.com.br/hela-celulas-imortais-legado-ciencia/. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • SCIELO. (RE)descobrindo uma história não celebrada pela ciência. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75902012000200012. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • DOT.LIB. Você já ouviu falar de células HeLa? Disponível em: https://dotlib.com/blog/voce-ja-ouviu-falar-de-celulas-hela. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • SCIELO. Uma mulher negra, suas células e alguns desafios da ética em pesquisa. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20s1/0104-5970-hcsm-20-s-1413.pdf. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • LEMOS, Carla Alexandra Ribeiro Cerqueira de. Aspetos estruturais e funcionais do complexo telómero/telomerase. Disponível em: https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/5320/1/PPG_28168.pdf. Acesso em: 18 mar. 2021.

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