A pandemia ocasionada pelo coronavírus (COVID-19), levou as autoridades sanitárias em todas as esferas, federal, estadual e municipal a imporem regras restritivas à circulação de pessoas, visando diminuir a velocidade de propagação do novo coronavírus.
Devido ao enorme alcance das mídias sociais, com possibilidade de uso da telemedicina e de outras ferramentas tecnológicas que possibilitam a manutenção do isolamento compulsório, foram criadas legislações e regulamentações emergenciais para permitir e/ou flexibilizar o uso da tecnologia na saúde, durante o período de crise.
Mas, por mais que sejam bem intencionados, vários destes instrumentos legislacionais apresentam falhas técnicas e de procedimentos em relação ao uso de documentos e assinaturas digitais. Essas falhas podem resultar em sérios riscos aos profissionais e instituições de saúde, em especial médicos e farmacêuticos além de, é claro, toda a população.
A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) e o Conselho Federal de Farmácia (CFF) declararam grande preocupação acerca do uso adequado e seguro dos documentos e assinaturas digitais no âmbito da saúde.
Assim, foi publicada pelo CFF, uma nota de posicionamento sobre o uso da prescrição eletrônica durante o período de pandemia.
A análise conjunta da SBIS e do CFF enumera algumas falhas, pontos que requerem atenção e potenciais riscos.
“Art. 6º A emissão de receitas e atestados médicos à distância será válida em meio eletrônico, mediante:
I – uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil;
II – o uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou
III – atendimento dos seguintes requisitos;
a) identificação do médico;
b) associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico e
c) ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
…
§ 2º A prescrição da receita médica de que trata o caput observará os requisitos previstos em atos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).”
As entidades alertam que a adoção dos métodos previstos nos incisos II e III não garantem a autenticidade e a autoria do documento o que pode gerar um risco de fraude e colocar em perigo diversos grupos que fazem parte da cadeia de saúde. Tais métodos poderiam ser adotados apenas para venda de medicamentos sob prescrição médica sem retenção de receita ou isentos de prescrição.
Somente a adoção da assinatura digital com certificação ICP-Brasil garante a autenticidade do receituário ou atestado eletrônico.
Pelo risco de fraude, médicos poderão ter seus nomes usados indevidamente como signatários de prescrições e atestados que não emitiram e também os farmacêuticos podem dispensar medicamentos indevidamente em atendimento a prescrições fraudulentas. Outro risco seria a utilização do nome de pessoas que poderão ter seus nomes utilizados indevidamente como pacientes em prescrições de medicamentos controlados para aquisição indevida dessa classe de medicamentos.
O maior risco potencial seria em relação à saúde pública de um modo geral pois, o relaxamento no controle de medicamentos pode levar ao uso indiscriminado de substâncias entorpecentes ou anabolizantes, com consequente aumento na dependência química e uso indiscriminado dessas substâncias.
Apesar da determinação no § 2° do artigo 6° da portaria de que a prescrição deverá observar também o disposto em outros atos normativos da Anvisa, não foram destacadas normativas específicas aos programas do governo como o programa Farmácia Popular que só aceita receita eletrônica com assinatura gerada com certificação ICP – Brasil.
» A SBIS e o CFF recomendam que o artigo 6° da Portaria MS n° 467/2020 seja novamente redigido com detalhamento mais específico do procedimento:
“Art. 6° A emissão de receitas e atestados médicos à distância será válida em meio eletrônico mediante o uso de assinatura eletrônica do profissional gerada por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.
§1º Para os medicamentos passíveis de venda sob prescrição em receita simples ou isentos de prescrição médica, a emissão poderá, opcionalmente, utilizar um dos seguintes métodos alternativos à assinatura eletrônica gerada por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil:
I. uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou
II. atendimento dos seguintes requisitos:
a) identificação do médico;
b) associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico; e
c) ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.”
O PL n° 696/2020 estabelece, em caráter emergencial, o uso da telemedicina em quaisquer atividades da área da saúde e já foi inclusive, encaminhado para a sanção presidencial.
Foi acrescido o parágrafo único que valida as prescrições médicas apresentadas digitalmente que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, fato que dispensa a apresentação do receituário físico. Entretanto, há uma grande diferença entre assinatura com certificação digital ICP-Brasil e uma assinatura digitalizada.
A certificação ICP-Brasil garante a prova inegável de que a mensagem veio do emissor, do médico que prescreveu a receita, isso garante a validade jurídica, autenticidade e autoria do documento.
Uma assinatura digitalizada no entanto, é simplesmente uma imagem ou uma cópia digital de uma assinatura manuscrita. Isso não oferece a garantia da autenticidade proporcionada pela assinatura eletrônica, não é possível verificar a autenticidade, a integridade ou mesmo a autoria do documento. O documento digitalizado não tem nenhuma garantia jurídica e portanto não seria válido para a aquisição de medicamentos sujeitos a controle especial.
A SBIS e o CFF consideram inadequada e inapropriada a expressão “digitalizadas” no parágrafo único do Art. 2° do PL 696/2020 e, recomendam a retirada da expressão da redação do artigo. A manutenção da redação do parágrafo como está representa um enorme risco de descontrole das prescrições e dispensação dos medicamentos o que pode acarretar danos ao sistema farmacêutico e também à população do país.
Outra recomendação refere-se à necessidade de mencionar no texto do artigo o devido cumprimento dos atos normativos previstos pela Anvisa e normas dos programas governamentais que garantem acesso aos medicamentos.
O PL n° 1077/2020 propõe alterações na redação do Art. 1° da Lei 5991/1973. Entre essas alterações passa-se a admitir o aviamento de receitas médicas em meio eletrônico ou digital, conforme definido em outros regulamentos.
Apesar dessas alterações não representarem uma falha, é temível que, durante a tramitação deste projeto de lei, a exemplo do que ocorreu no PL 696/2020, sejam adicionados critérios técnicos divergentes das práticas adequadas à devida segurança das operações eletrônicas ou mesmo dos demais instrumentos legais que vigoram atualmente ou estejam em tramitação.
O que pode ser percebido é que falta detalhamento, a discussão apresentada pelo projeto de lei deve ir além da questão do prazo de validade para os medicamentos sujeitos ao controle especial. Podem ser incorporadas ao texto diferentes recomendações com o objetivo do aumento da segurança no uso desses medicamentos.
A recomendação é que seja especificado no texto os dados mínimos que deverão constar na prescrição, independente do tipo de receita, impressa, de próprio punho ou receituário eletrônico. Os dados são:
identificação da unidade de atendimento;
identificação do prescritor, incluindo nome, número de inscrição no respectivo conselho profissional e endereço;
identificação e dados do paciente;
dados completos sobre o tratamento prescrito: nome do medicamento ou formulação, apresentação, via de administração, dose, frequência de administração e duração do tratamento;
registro de data e hora da emissão da receita;
outros dados exigidos por normativas sanitárias e programas do Ministério da Saúde.
Outra recomendação é que seja dada especial atenção à tramitação deste projeto de lei de modo que possíveis emendas não promovam critérios diversos aos atualmente já previstos na legislação vigente.
Após avaliar a resposta da Anvisa pelo Ofício 7/2020/SEI/GPCON/GGMON/DIRES/ANVISA, e instrumentos normativos que regulamentam o comércio de medicamentos controlados no Brasil, o CFF dá algumas orientações aos farmacêuticos responsáveis técnicos. Para a dispensação dos medicamentos sujeitos a controle especial que se enquadrem no critério de atendimento de prescrições eletrônicas com assinatura digital com Certificação ICP-Brasil, os seguintes critérios devem ser observados:
Caso a farmácia não tenha condições técnicas e operacionais de efetuar os procedimentos descritos acima, ela não será obrigada a dispensar o medicamento e o paciente deverá dirigir-se a outro local.
O controle de medicamentos no Brasil, faz parte de um esforço histórico da Anvisa que muito contribuiu para o controle sanitário de várias substâncias no país. A edição e implementação de novas regras deve ser criteriosa para que não entre em conflito com as legislações vigentes que tratam das substâncias entorpecentes e psicotrópicas no país.
» As receitas digitalizadas devem ser válidas apenas para medicamentos tarjados sob prescrição simples e para os medicamentos isentos de prescrição, MIP’s, visto que, para essas receitas, não é exigida assinatura digital com certificação ICP-Brasil. Não há impedimento legal ou normativo para que esses medicamentos sejam dispensados mediante a apresentação de uma cópia digitalizada do receituário, desde que tal cópia atenda a todos os pré-requisitos exigidos nas legislações para o receituário em papel.
A SBIS e o CFF entendem que o momento exige a tomada de atitudes rápidas e seguras para a solução da crise do novo coronavírus mas, critério e atenção são imprescindíveis para que a edição de novas ferramentas normativas não entrem em conflito com regras já existentes. Descuidos na regulamentação podem facilitar o acesso indevido a produtos controlados e trazer enorme prejuízos à sociedade.
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